Por Zé Zinho
Do Alerta em Rede
Com a morte do eletroquímico britânico Martin Fleischmann, aos 85
anos, em 3 de agosto, o mundo perde não apenas um raro cientista capaz
de atuar com desassombro nos limites do conhecimento e aportar
importantes contribuições a ele, como também um símbolo do deplorável
estado em que a prática científica mergulhou, nas últimas décadas, com a
sua submissão cada vez maior a agendas políticas e de interesses
restritos.
Em uma entrevista coletiva, em março de 1989,
Fleischmann e seu colega estadunidense Stanley Pons, ambos pesquisadores
da Universidade de Utah, anunciaram que haviam obtido reações de fusão
nuclear à temperatura ambiente, em um dispositivo integrado por um
cátodo de paládio imerso em água enriquecida com deutério
(hidrogênio-2), alimentado por uma bateria comum – ou seja, um processo
de eletrólise. Na ocasião, Fleischmann afirmou que o fenômeno “abria as
portas para uma nova área de pesquisa” sobre uma “tecnologia que pode
ser utilizada para a geração de calor e energia”.
Embora não tenha seguido as normas de comunicação de
pesquisas científicas, divulgando os resultados à mídia antes de
publicá-los em uma revista revisada por pares, o anúncio deflagrou um
imediato entusiasmo quanto à perspectiva de obtenção de uma fonte
energética “limpa” e virtualmente inesgotável, que afastaria os temores
que já se manifestavam em relação aos combustíveis fósseis.
Imediatamente, cientistas de todo o mundo se empenharam em tentar
reproduzir os resultados anunciados, especificamente, a geração de calor
em excesso sobre a energia introduzida no sistema e a emissão de
nêutrons e trítio (hidrogênio-3) – o que denotaria tratar-se de uma
reação nuclear. Em poucos dias, o fenômeno ficou conhecido como “fusão a
frio”, embora Fleischmann e Pons não se referissem a ele desta forma.
Desafortunadamente, o fenômeno não se mostrou tão
simples de ser reproduzido e, devido ao grande número de experiências
frustradas, Fleischmann e Pons começaram a ser acusados de fraude e
incapacidade científica, tanto por alguns de seus pares como pela mídia.
Meses depois, um painel de cientistas organizado pelo Departamento de
Energia dos EUA concluiu que não havia evidências de que o fenômeno se
devia a processos nucleares e não recomendou grandes investimentos em um
programa de pesquisas especial para estudá-lo. A decisão contribuiu,
não apenas, para esvaziar o interesse geral no assunto, como, também,
para que a expressão “fusão a frio” se convertesse em objeto de
ridículo.
Entretanto, aparentemente, tais reações envolviam algo
mais que uma mera exigência de rigor científico. Entre os principais
críticos da dupla de eletroquímicos e do fenômeno, estavam os físicos
que trabalhavam com pesquisas de fusão “a quente”, em caríssimos
equipamentos como os reatores Tokamak e orçamentos da ordem de dezenas a
centenas de milhões de dólares. Evidentemente, muitos deles não viam
muito favoravelmente a perspectiva de que o objeto de suas pesquisas
poderia ser atingido por um caminho bem mais simples e com orçamentos
uma ou duas ordens de grandeza menores. No Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), um dos líderes das pesquisas de fusão nuclear
tradicional, a rejeição ao fenômeno chegou ao ponto de alguns cientistas
ocultarem os resultados positivos de obtenção de excesso de energia, em
uma experiência crucial, tendo anunciado que os resultados haviam sido
negativos. A farsa foi, oportunamente, denunciada pelo Dr. Eugene
Mallove, então redator-chefe do departamento de imprensa do MIT, que
renunciou ao posto, em protesto e, posteriormente, descreveu a razia
contra o fenômeno e seus estudiosos, no livro Fire from Ice: Searching for the Truth Behind the Cold Fusion Furor (Fogo do gelo: em busca da verdade por trás do furor sobre a fusão a frio), lançado em 1991.
Igualmente reveladoras foram as reações de alguns dos
gurus do flamante movimento ambientalista internacional, que, na época,
ganhava força com a agenda do aquecimento global antropogênico,
contemplada com a criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC), no final de 1988.
Em uma entrevista ao jornal Los Angeles Times,
em abril de 1989, algumas semanas após a entrevista de Fleischmann e
Pons, o economista Jeremy Rifkin foi categórico: “É a pior coisa que
poderia acontecer ao nosso planeta.” Seu correligionário, o biólogo Paul
Ehrlich, um arquimalthusiano que vem pregando uma catástrofe
demográfica há mais de quatro décadas, disparou: “Seria como colocar uma
metralhadora nas mãos de uma criança retardada.”
Se houvesse, tanto da parte de tais críticos, qualquer
laivo de honestidade em seus pleitos pela obediência aos rigores da
prática científica consagrada e pelos cuidados com o meio ambiente,
seria de se esperar que um fenômeno novo como o anunciado por
Fleischmann e Pons atraísse esforços sérios no sentido do seu
entendimento. Quanto mais não fosse, pela perspectiva de abertura de uma
nova área de conhecimento dos fenômenos universais e, não menos, de a
Humanidade se encontrar, efetivamente, diante de uma revolucionária
fonte energética. O que se viu, porém, foi uma feroz barragem de
críticas e detratações, poucas vezes vista. E o mais irônico – e
emblemático – é que muitos desses críticos e detratores, cientistas
inclusive, se mostrariam ser ardentes defensores de fraudes científicas
notórias, como a suposta influência humana no clima global.
Nos anos seguintes, apesar das repercussões negativas,
as pesquisas sobre o fenômeno continuaram sendo feitas, em vários
países, por grupos de pesquisadores que adotaram um perfil baixo,
atuando quase como membros de uma confraria secreta, criando meios
próprios de divulgação e troca de informações, inclusive, em congressos
internacionais. Entre 12-17 de agosto, realiza-se em Daejeon, Coreia do
Sul, a 17ª. Conferência Internacional sobre Fusão a Frio (a denominação
“fusão a frio” foi mantida por motivos históricos, embora o fenômeno
seja atualmente conhecido como “reações nucleares de baixa energia”, ou
LENR, na sigla em inglês). Entre os países que têm grupos dedicados ao
assunto, destacam-se os EUA, Rússia, Itália, Japão, Coreia do Sul, China
e Índia. Literalmente, dezenas de milhares de experiências já foram
realizadas, com altos níveis de repetibilidade das observações relatadas
por Fleischmann e Pons, o que denota a realidade do fenômeno.
Nos últimos 20 anos, cientistas de todo o mundo têm investigado as
reações nucleares de baixa energia (LENR). Os pesquisadores desta área
controvertida estão, atualmente, anunciando resultados capazes de mudar
os paradigmas [científicos] existentes, inclusive, a geração de grandes
quantidades de calor em excesso, atividades nucleares e transmutação de
elementos. Embora não exista uma teoria vigente, que explique todos os
fenômenos descritos, alguns cientistas acreditam que podem estar
ocorrendo reações nucleares ao nível quântico. A DIA avalia, com alto
nível de confiança, que, se as LENR puderem produzir energia de origem
nuclear às temperaturas ambientes, esta tecnologia impactante poderá
revolucionar a produção e o armazenamento de energia, uma vez que as
reações nucleares liberam milhões de vezes mais energia por unidade de
massa do que qualquer outro combustível químico conhecido.
Sabendo-se que a DIA é uma das mais rigorosas e
profissionais das 16 agências do colossal aparato de inteligência
estadunidense, a sua avaliação merece ser devidamente considerada pelos
formuladores de políticas de todos os países.
Como a quase totalidade dos pesquisadores do fenômeno,
Fleischmann e Pons foram forçados a “submergir”. Em 1992, eles se
mudaram para a França, para continuar as pesquisas em um laboratório
financiado por uma subsidiária da empresa japonesa Toyota. Porém, por
divergências com a direção do laboratório, Fleischmann se retirou do
projeto em 1995 e voltou para a Inglaterra, onde se aposentou.
Igualmente, Pons se retiraria, no ano seguinte, e o projeto foi
encerrado em 1998.
Entretanto, Fleischmann continuou colaborando com outros
pesquisadores, nos EUA e na Itália, até ser obrigado a retirar-se de
vez, por problemas de saúde, que incluíam a doença de Parkinson,
problemas cardíacos e diabetes. Ele morreu em sua residência, em Tisdale
(é significativo das distorções que envolvem a atividade científica e
sua percepção pela sociedade, o fato de que a sua morte tenha sido
ignorada pela mídia brasileira).
Fleischmann, que teve a inspiração original para as
pesquisas iniciais com Pons, foi um daqueles raros gigantes da Ciência
capazes de influenciar com seu trabalho os rumos do conhecimento e, por
extensão, da própria evolução da Humanidade. Por isso, recorremos à
sintética avaliação do editor do site
E-cat World, um dos muitos dedicados à divulgação das pesquisas sobre o tema:
“Provavelmente, o legado póstumo de Martin Fleischmann
será muito maior do que o que foi em sua vida. O seu trabalho deflagrou
uma revolução em fogo lento, que parece estar pronta para entrar em
ignição.”