Impossível esconder o desapontamento. O dia 26 de fevereiro de 1896 amanhece encoberto em Paris. Só resta guardar o material, à espera de um dia de sol. De fato, a presença da luz solar é condição indispensável para levar a termo a experiência que Henri Becquerel quer realizar.
Talvez o dia seguinte traga o Sol tão esperado. Mas não: o céu continua desanimadoramente cinzento, recusando-se a colaborar. E a Becquerel não resta outro recurso senão esperar pacientemente. Somente a 1º de março ele, enfim, reaparece.
Por incrível que pareça, o mau tempo será justamente um colaborador decisivo na grande descoberta do físico francês: a radioatividade.
Antoine Henri Becquerel descende de uma família tradicional de físicos e químicos franceses. Seu avô, Antoine César Becquerel, nascido em Châtillon sur Loing (1788), é conhecido pelos trabalhos realizados no campo da eletroquímica. Após completar os estudos na Escola Politécnica de Paris, serve o exército de 1808 a 1814. Oficial de fortificações, tem ocasião de aplicar seus conhecimentos de engenharia. Mas seu amor pela ciência pura é mais forte. Em 1814 deixa as armas para se dedicar somente à pesquisa científica. Trabalha com físicos célebres, como Ampère e Biot, mestres do eletromagnetismo na época. Torna-se membro da Academia Francesa de Ciências e, em 1837, é homenageado pelos trabalhos sobre eletricidade. Morre em 18 de janeiro de 1878, em Paris, onde desde 1837 ocupou o cargo de professor de física no Museu de História Natural.
Para Alexandre Edmond Becquerel (1820-1891), filho de Antoine César, nada mais fácil do que seguir a carreira do pai, sucedendo-lhe no Museu de História Natural. Edmond Becquerel dedica-se sobretudo ao estudo da teoria da luz. Investiga os efeitos fotoquímicos e os aspectos espectroscópicos das radiações solares e da luz elétrica, e o fenômeno da fosforescência.
Crescido na atmosfera do Museu de História Natural, em 1878 o jovem Henri Becquerel - filho de Edmond Becquerel - é admitido aos 26 anos como naturalista assistente. Em 1892, repete o pai: quando este morre, passa a substitui-lo na cadeira de física.
Sómente no século XIX, graças ao progresso científico da época, foi possível conhecer a complexa estrutura do átomo e a sua divisibilidade. Antes disso, o átomo era mais um conceito filosófico do que uma realidade científica. O próprio nome átomo - que etimológicamente significa indivisível (em grego a = não; tomos = parte) - com o desenvolvimento científico acabou por se revelar impróprio.
O átomo continuou sendo objeto de especulação filosófica até a metade do século XVIII, quando ingressou no campo mais real da química. Finalmente, no século XIX, foi definido seu conceito científico: a menor partícula de um elemento, que dêle conserva as propriedades e permanece inalterado nas reações químicas. Apesar de ter sido provada sua divisibilidade, os cientistas modernos conservaram para a menor partícula da matéria o mesmo nome com o qual havia sido batizada pelos antigos gregos: átomo.
A partir daí, verificou-se um estudo intensivo da estrutura e das propriedades do átomo. Químicos e físicos investigaram suas características e propriedades elétricas. Descobriram, por exemplo, que certas propriedades, como a condutividade elétrica, não se originavam do átomo como um todo, mas deviam-se à existência de partículas que participavam de sua composição. Chegaram assim ao conhecimento do elétron, responsável direto pelos fenômenos elétricos observados na matéria.
À medida que os estudiosos avançavam no conhecimento da estrutura do átomo, esta ia-se revelando cada vez mais fascinante. O cientista alemão Wilhelm Roentgen (1845-1923) descobriu que, por meio de descargas elétricas, era possível obter radiações semelhantes às da luz, mas dotadas de propriedades diferentes. De fato, tais radiações eram capazes de atravessar corpos opacos. Até aquela época, essa característica era considerada uma propriedade exclusiva da radiação luminosa, verificando-se, porém, em relação aos corpos transparentes.
O que havia de mais curioso na descoberta de Roentgen era que até aquela época essas radiações nunca haviam sido observadas na natureza. Pareciam não existir no espectro solar, não contribuindo para a composição da radiação proveniente das fontes luminosas conhecidas.
Seria simplesmente o caso de pensar no fato de ninguém ter deparado com elas até o momento? Seria preciso provocar de alguma forma sua emissão.
Tradicionalmente, a família Becquerel interessava-se pela questão das radiações emitidas no fenômeno de fluorescência (reemissão de uma radiação secundária cuja energia é subtraída à radiação excitadora que é absorvida pela substância fluorescente).
Nada mais natural, portanto, que o imediato interesse demonstrado por Henri em relação ao problema levantado pela descoberta de Roentgen. Existiria, entre as substâncias fluorescentes, uma capaz de emitir, após uma excitação adequada, os raios X?
Somente a experimentação poderia dar a resposta. E Becquerel resolveu excitar, por meio da luz solar, todas as substâncias consideradas fluorescentes, uma a uma. Não podia existir excitação mais forte que os poderosos raios solares, pensava o cientista, e nada melhor que estudar uma substância que apresentasse a fluorescência como propriedade natural.
Baseado nessas hipóteses Becquerel traçou sua experiência: submeter à ação dos raios solares uma amostra da substância em questão, e em seguida colocá-la em contato com uma chapa fotográfica, encerrada numa espécie de embrulho de papel impermeável à luz. Para ter certeza de que as radiações emitidas eram do mesmo tipo das radiações descobertas por Roentgen, Becquerel interpôs um objeto metálico (uma cruz de ferro) entre a amostra e a chapa fotográfica. Se fossem semelhantes, essas radiações seriam capazes de atravessar a fina espessura do metal.
E justamente com essa finalidade Becquerel espera impaciente pelo Sol, em fins de fevereiro de 1896: quer expor à sua radiação uma amostra formada por sais de urânio e urânio metálico. Quando o Sol reaparece, o cientista imediatamente trata de iniciar a experiência. Antes disso, porém, resolve verificar o estado da emulsão fotográfica: talvez se tenha deteriorado com a demora. Além disso, a umidade atmosférica pode ter alterado as chapas, o que comprometeria o resultado da experiência. Becquerel revela então as chapas.
Espantado, percebe que, apesar de não terem sido atingidas pela radiação solar, essas chapas estão impressionadas justamente nos lugares que haviam permanecido em contato com as amostras. Além disso, nota que a região das chapas situadas em correspondência com o objeto metálico disposto diante das amostras se encontra impressionada mais fracamente. O escurecimento, portanto, não se deve a um efeito químico provocado pelo contato com as amostras: estas emitem espontaneamente uma radiação até então desconhecida, que atravessa a cruz de f erro.
A primeira coisa a ser feita é demonstrar a origem dessas radiações “misteriosas”. Levado por rigoroso espírito científico, Becquerel conclui que elas não são influenciadas por reações químicas, a que submete as amostras. Trata-se, portanto, de uma propriedade apresentada pelo átomo e não de uma característica da ligação química.
As pesquisas de Becquerel não param aí: estuda as propriedades físicas dessa nova radiação e descobre sua capacidade de ionizar o ar, isto é, destacar elétrons dos átomos que o compõem. Isso significa que a presença de tais radiações pode ser revelada mediante um eletroscópio, instrumento que indica a existência de cargas elétricas somente se o ar que contém não está ionizado. Se estiver, o ar torna-se condutor e o eletroscópio descarrega-se.
Em seguida Becquerel elabora o primeiro instrumento para detectar radiações nucleares, posteriormente utilizado pelo casal Curie na descoberta do polônio e do rádio. Esse será o instrumento fundamental no estudo de física nuclear até a invenção da câmara de ionização.
Apesar de pesquisar incansavelmente, Becquerel não consegue explicar qual a origem das radiações que descobrira quase por acaso. Recebem, enquanto isso, o nome de raios Becquerel, assim como pouco mais de um ano antes os raios X foram chamados raios Roentgen.
Nesse meio tempo, Pierre e Marie Curie descobrem o polônio. Ao procurar saber qual a fonte das radiações do urânio, o casal de cientistas separou quimicamente todos os elementos a ele associados na amostra natural de óxido. Entre essas substâncias descobriram o novo elemento.
Imediatamente Becquerel procura obter uma amostra do recém-descoberto polônio. De fato, sendo puro e concentrado, seria fácil analisar suas radiações. E justamente entre elas localiza uma radiação diferente daquela encontrada inicialmente. Demonstra que essa nova radiação denominada radiação beta - é composta somente por elétrons.
Descobre, em 1896, que à temperatura ambiente, o urânio emite uma radiação invisível, semelhante aos raios Roentgen, capaz de impressionar uma chapa fotográfica mesmo após atravessar finas camadas de metal.
As exaustivas e contínuas pesquisas de Becquerel sôbre a radiatividade, no entanto, não o impedem de dedicar-se também a outros campos da ciência. Ocupa-se do problema do magnetismo, pesquisando as características magnéticas do níquel e do cobalto e o efeito Zeeman. Estuda a temperatura do Sol, a polarização da luz, a fosforescência e a absorção da luz por cristais.
Secretário da Académie des Sciences, membro da Royal Society, da Accademia dei Lincei, das Academias de Washington e de Berlim, em 1903 Becquerel recebe, juntamente com Pierre e Marie Curie, o Prêmio Nobel de Física.
Embora tenha recebido homenagens e recompensas, Henri Becquerel conserva sua extrema modéstia. Demonstra uma gratidão incondicional para com seu pai e seu avô, dos quais herdou não só o nome célebre, mas também a dedicação pela experimentação científica.
Morre a 25 de agosto de 1908, com apenas 56 anos de idade. Até o fim afirma não ser o único executante de sua obra: foi também com a ajuda de seus assistentes de laboratório que conseguiu lançar um pouco de luz no interior do átomo.
BIBLIOGRAFIA:
Ciência Ilustrada, Abril S.A.Cultural e Industrial.
Os Cientistas, Abril S.A.Cultural e Industrial.
Biografias, Gerson Ferracini, Editora Scipione.
Física, Beatriz Alvarenga e Antônio Máximo, Editora Scipione.
O Mundo da Eletricidade, Ottaviano de Fiore, Eletropaulo.
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Biografias, Gerson Ferracini, Editora Scipione.
Física, Beatriz Alvarenga e Antônio Máximo, Editora Scipione.
O Mundo da Eletricidade, Ottaviano de Fiore, Eletropaulo.
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